segunda-feira, 27 de abril de 2015

De Eduardo para Eduardo


Eduardo Galeano

 

Eduardo Galeano faleceu dia 13 de abril de 2015 deixando-nos seus textos, poesias, reflexões e principalmente esperança e vida. Comentou em vida como lidar com a morte com humor sutil.

 

“A morte

Nem dez pessoas iam aos últimos recitais do poeta espanhol Blas de Otero. Mas quando Blas de Otero morreu, muitos milhares de pessoas foram à homenagem fúnebre feita numa arena de touros em Madri. Ele não ficou sabendo.

Chorar

Foi na selva, na Amazônia equatoriana. Os índios shuar estavam chorando a avó moribunda. Choravam sentados, na margem de sua agonia. Uma pessoa, vinda de outros mundos, perguntou:

Por que choram na frente dela, se ela ainda está viva?

E os que choravam responderam:

Para que ela saiba que gostamos muito dela.”

Os dois trechos são do Livro dos Abraços.

Pouca gente deixa esta sensação de que tudo o que escreveu vale a pena ler, por isso não é necessário selecionar seus textos. Simplesmente se abre uma página qualquer e se lê a realidade.

Mas, penso que Galeano não gostava de ser um dos poucos. Queria ser, e é um simbolo da luta contra o esquecimento das atrocidades sofridas por pobres, oprimidos, mulheres, negros e negras, lésbicas, gays, transexuais. Liderou a indignação contra a injustiça. Comentou em prosa e poesia temas centrais da política.

Lembro-me de suas reflexões sobre os muros erguidos pelos meios de comunicações.

“O Muro de Berlim era a notícia de cada dia. Da manhã à noite líamos, víamos, escutávamos: o Muro da Vergonha, o Muro da Infâmia, a Cortina de Ferro...

Por fim, esse muro, que merecia cair, caiu. Mas outros muros brotaram, continuam a brotar, no mundo, e ainda que sejam bem maiores que o de Berlim, deles fala-se pouco ou nada.

Pouco se fala do muro que os Estados Unidos estão a alçar na fronteira mexicana, e pouco se fala do arame farpado de Ceuta e Melilla.

Quase nada se fala do Muro da Cisjordânia, que perpetua a ocupação israelita de terras palestinianas e daqui a pouco será quinze vezes mais longo do que o Muro de Berlim.

E nada, nada de nada, se fala do Muro de Marrocos, que desde há vinte anos perpetua a ocupação marroquina do Saara ocidental. Este muro, minado de ponta a ponta e de ponta a ponta vigiado por milhares de soldados, mede sessenta vezes mais que o Muro de Berlim.

Por que será que há muros tão altissonantes e muros tão mudos? Será devido aos muros da incomunicação, que os grandes meios de comunicação constroem em cada dia?”

Texto de 2006. Atualíssimo.

Outro Eduardo faleceu este mês. Dia 02 de abril o menino de 10 anos de idade foi fuzilado pela polícia militar no morro do alemão, Rio de Janeiro. Motivo explícito para se questionar o modelo militar de organização da polícia, e também para enfrentar o debate de que é inútil reduzir a maioridade penal. Pois não podemos inverter a equação culpabilizando as vítimas de nossa sociedade.

Por fim, cabe o seguinte texto de Eduardo (Galeano) para Eduardo (o menino):

“As pulgas sonham em comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico de sorte chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chova ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os dono de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:
Que não são embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não tem cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.”

(Os Ninguéns, Eduardo Galeano.)

Lembrando ainda que hoje completam-se 19 anos do massacre do Eldorado dos Carajás, em que novamente o Estado tirou a vida de “ninguéns”.

Para não esquecermos nunca. Eduardo – Presente!

 

Goiânia, 17 de abril de 2015

 


Marcel FarahEducador Popular

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