Considerando as possíveis implicações culturais, sociais e econômicas que o boom demográfico apresentado pelas Nações Unidas sobre o seguimento juvenil, não apenas os Estados começam a voltar seus olhos para a o seguimento, mas, também outras instituições como a Igreja Católica Apostólica Romana. Uma das formas da Igreja dar destaque a temática da juventude é a Jornada Mundial da Juventude, criada pelo Papa João Paulo II em 1986 como principal espaço de aglutinação da juventude católica de todo o mundo. Tem sido realizada em vários continentes conseguido aglomerar milhões de jovens em cada edição e em julho de 2013 (de 23 a 28 de Julho no Rio de Janeiro) é a vez do Brasil. Considerado o maior país católico do mundo a edição brasileira da JMJ é esperada como a maior já vista.
Para realizar um evento de tamanha magnitude é preciso muita preparação. Com isso, desde setembro de 2011, a Cruz dos Jovens e o Ícone de Nossa Senhora, dois símbolos da JMJ, peregrinam por várias regiões do Brasil com o objetivo bem claro de divulgar a JMJ, esse momento foi nomeado de "Bote Fé”. Acontece também, uma semana antes da própria JMJ, as pré-jornadas, que no Brasil recebem o nome de Semana Missionária, onde jovens estrangeiros se colocam em missão da Igreja conhecendo mais de perto a realidade brasileira, podendo optar por visitar outro estado do país além do Rio de Janeiro.
Com todos esses acontecimentos, poderemos fazer uma análise da real conjuntura a qual se encontra a Igreja e as juventudes inseridas nela, quais a contradições e conflitos podem se tornar evidentes em meio ao seguimento juvenil católico. No contexto da pós-modernidade e pluralidade religiosa, grandes eventos de massa como a JMJ se tornam estratégia da Igreja Católica Apostólica Romana e outras igrejas na disputa por fiéis. Em tempos de fortalecimento da sociedade democrática e coletiva o mote da JMJ é divulgar a própria instituição e a figura do Papa, seu líder maior e também chefe de estado do Vaticano.
Imaginemos o investimento financeiro que custa realizar um evento desse porte. Só a Deputada Myrian Rios (PDT) apresentou emenda parlamentar destinando cinco milhões de reais que sairão dos cofres públicos para a realização do evento. Dinheiro do/a cidadão/ã, que mesmo não sendo católico/a irá pagar pelo evento sem nem saber. Apesar de muitos dizerem que a visita do Papa ao país traz um retorno turístico financeiro, sabemos que esse retorno fica para grandes empresas privadas que exploram funcionários/as e meio-ambiente.
Os temas abordados na jornada são em sua grande maioria definidos em Roma, totalmente desconexos com a realidade brasileira. Toda a realidade juvenil brasileira é simplesmente ignorada ou abafada. A programação da JMJ é formada por missas, palestras, catequeses, estudos do catecismo, fala do Papa para a juventude, porém, não existe nenhum momento para que lideranças juvenis falem para a hierarquia da Igreja. Não há espaços de formação ou de debates que possibilitem o jovem católico pensar sobre a relação entre o pensamento cristão e sua realidade concreta, sobre como agir enquanto cristão na transformação da sociedade em uma sociedade mais justa e igualitária. Não existe sequer jovens com direito de voz na organização da JMJ.
A juventude brasileira enfrenta grande descrédito, exclusão e preconceito, além de um enorme arrastão de violência e extermínio que assolam os/as jovens na maioria empobrecidos/as e negros/as. A violência sexual contra adolescentes e jovens mulheres, a violência policial, a violência no campo, o trabalho análogo ao escravo, o tráfico de pessoas, o suicídio que atinge de forma peculiar os/as indígenas; os casos de jovens homossexuais que são agredidos por demonstrarem a sua sexualidade em público... Essas e outras realidades da vida da juventude são ignoradas na JMJ. Divergindo com o modelo de trabalho que a Igreja adotava na América Latina, onde havia uma opção preferencial pelos pobres e jovens.
Existe toda uma história de lutas sociais e organizações populares inspirada pela Teologia da Libertação, desde a década de 60, protagonizadas por jovens católicos na Ação Católica Especializada (JAC – Juventude Agrária Católica, JEC – Juventude Estudantil Católica, JIC –Juventude Independente Católica, JOC – Juventude Operária Católica e JUC – Juventude Universitária Católica), depois perpassando os anos 70 até os dias atuais com as Pastorais da Juventude (PJ – Pastoral da Juventude, PJE – Pastoral da Juventude Estudantil, PJR – Pastoral da Juventude Rural e PJMP – Pastoral da Juventude do Meio Popular) que atualmente são perseguidos pela crescente Ala conservadora da Igreja. Tais forças progressistas vivem um momento de descenso, herdeiros próximos da Teologia da Libertação que foram importantes em momentos decisivos da política nacional e debates internos sobre os rumos da Igreja, que defendiam um Cristo mais "encarnado” no meio popular, uma leitura crítica da realidade a partir dos textos bíblicos, uma vida política mais ativa dos cristãos, são a cada dia mais combatidos.
Com isso, a Igreja vai recortando o perfil do/a jovem participante da JMJ, que em sua grande maioria é ligado a movimentos conservadores. O alto custo da inscrição é um preço bastante considerável para um jovem de classes populares. Isso mostra que os/as jovens que frequentemente participam das Jornadas Mundiais são de uma realidade burguesa ou que lutaram muito para levantar suas finanças e participar do evento. Imaginem a diferença da vida de um jovem que viaja quase que anualmente atravessando fronteiras internacionais para participar das Jornadas Mundiais com a vida de um jovem que tem dificuldades diárias para se locomover até a escola ou universidade. É claro que o público alvo da JMJ não são os/as jovens das classes populares, mais claro ainda que o objetivo da Igreja não é promover debate político, apenas doutrinar.
As Pastorais de Juventude, em conjunto com outras organizações de juventude, são os/as jovens organizados que podem fazer o contraponto ao conservadorismo apresentado na jornada. As atividades de divulgação da JMJ (Bote Fé e Semana Missionária) podem ser também espaços de debates sobre a vida da juventude, de fortalecimento das bases e de levantamento de pautas como a Campanha Contra o Extermínio da Juventude, tema que está em diálogo com outros movimentos juvenis da sociedade. Pautas como essas dificilmente terão espaço no evento principal da JMJ. Descentralizando o evento, dando voz aos jovens mais empobrecidos de todos os cantos do Brasil que não terão condições de participar de um evento desses, ouvindo suas angústias e necessidades se pode garantir espaços reais de debates acerca das problemáticas sociais, teologias e suas correlações.
Walkes Vargas e Matheus Firmino
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