sexta-feira, 19 de julho de 2013

A rebelião voltou

“O que é velho diz: ‘fui, sou, serei assim’.
O que é novo diz: ‘caia fora o que é ruim’”.
(Bertold Brecht)
 
Como compreender a greve dos estudantes da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) em Campo Grande? Não é fácil entender um movimento social no calor dos acontecimentos e do qual sou apoiador e, na medida do possível, participante. Não existe ainda o necessário distanciamento histórico e isenção de ânimos para uma análise racional e criteriosa que permita avançar na compreensão do movimento grevista. Porém (e sempre há um “porém”), entendo ser fundamental uma análise de conjuntura que possibilite iluminar a questão. Afinal, os professores da UEMS são chamados a uma tomada de posição. Trata-se de ser a favor ou contra o movimento dos alunos, a greve está nas ruas, não é possível um meio-termo.

Eis aqui a minha primeira aproximação de análise. Espero que o texto desperte reflexões e outras análises a favor ou contra o movimento. O debate está aberto. Em primeiro lugar, entendo que a análise de conjuntura não pode ficar restrita aos acontecimentos relativos exclusivamente à cidade de Campo Grande, isto é, quais os impactos dos resultados da última eleição municipal. Para mim, a greve estudantil, colocada na categoria de movimento social, possui raízes bem mais profundas.
É certo que estamos num cantinho do mundo, o Mato Grosso do Sul, mas com a globalização e o apoio das novas tecnologias estamos cada vez mais conectados com o mundo. Os ventos da mudança que sopram em terras distantes também repercutem aqui. Coloco de imediato a seguinte constatação: a rebelião popular voltou à ordem do dia. Após um longo período de hibernação, ela voltou. Seja muito bem-vinda. É preciso entender, participar e politizar as novas formas de movimento social que brotam como cogumelos depois de uma noite de chuva. Entendermos os movimentos participando deles e, com essa participação, os compreendemos melhor. Não é uma tarefa fácil, como já disse. Em momentos de encruzilhada teórica, da escolha de caminhos a seguir, recorro ao velho barbudo, amado por uns e odiado por outros, Karl Marx. O que ele diria em relação à possibilidade de análise de um fenômeno social no qual a pessoa é espectador e ator, tudo, no calor dos acontecimentos, saindo e entrando de reuniões e assembleias? Na introdução do livro Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, Marx diz que “a análise crítica não é paixão da cabeça, mas a cabeça da paixão”. Portanto, não se trata de descartar a paixão, acredito, aliás, que a paixão é necessária em todas as ações humanas, a questão é subordiná-la à cabeça, a análise racional.
O pano de fundo objetivo das rebeliões ao redor do mundo é o agravamento da crise social e a ausência de alternativas políticas organizadas. Segundo, István Mészáros, o capitalismo vive uma crise estrutural e entrou em sua fase final de decadência, ou seja, não conheceremos mais longos períodos de crescimento econômico. Em 2008, o mundo conheceu o significado da crise, e três anos depois, em 2011, ocorreram diversos movimentos sociais de protesto com reivindicações peculiares em cada região, mas com formas de luta semelhantes. Aos interessados no tema sugiro o livro Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas, lançado, no Brasil, em 2012, pela Editora Boitempo, de São Paulo. No início de 2011, aconteceu a chamada Primavera Árabe quando milhares de pessoas foram às ruas pelo fim das ditaduras em países da África do Norte (Tunísia, Egito, Líbia e Iêmen). O movimento assumiu o caráter de revolução democrática. Também em 2011, as ruas das principais cidades da Espanha foram tomadas pelo Movimento dos Indignados contra o desemprego, a desigualdade social e a falta de perspectivas aos jovens. Em Portugal, o movimento ficou conhecido como Geração à Rasca, e na Grécia, aconteceu à ocupação da Praça Syntagma. Detalhe: todos esses movimentos foram promovidos e coordenados por jovens, em sua maioria, entre 18 a 25 anos. Ainda em 2011, no Chile, cerca de quatrocentos mil estudantes saiu às ruas reivindicar educação pública e gratuita. O movimento colocou uma pá de cal no ideário de privatista das políticas neoliberais, justamente no nascedouro da primeira experiência neoliberal do mundo. O mais importante movimento ocorreu no coração do capitalismo contemporâneo com o “Occupy Wall Street” em New York. Estima-se que aproximadamente quinze mil pessoas participaram da ocupação com um público bem diversificado composto por hippies, punks anarquistas, desempregados, veteranos de guerra, estudantes, pobres, sindicalistas, juventude desencantada etc.
As formas de organização e ação desses movimentos sociais são semelhantes às estratégias utilizadas pelos estudantes da UEMS, Unidade Universitária de Campo Grande, salvaguardadas as proporções quantitativas e o alcance das exigências reivindicatórias do nosso cantinho do mundo. Os movimentos recusam as articulações políticas do espaço institucional tradicional. O movimento grevista dos alunos não possui nenhuma vinculação político partidário e nem sindical. A crítica aos partidos políticos e aos sindicatos como meros interlocutores do capital estão presentes no livro Atualidade histórica da ofensiva socialista: uma alternativa radical ao sistema parlamentar, de István Mészáros, lançado, no Brasil, em 2010, pela Editora Boitempo, de São Paulo. Os movimentos são pacíficos e recusam a adoção de táticas violentas e ilegais, evitando, assim, a criminalização. Vi alunos da UEMS distribuindo lindos crisântemos. Os movimentos não possuem uma liderança única e centralizadora. Quanta diferença da minha época de movimento estudantil quando as lideranças faziam acordos na calada da noite. E, por fim, os movimentos sociais utilizam as redes sociais, Facebook e Twiter, como forma de comunicação e organização. Todas as informações, entrevistas, vídeos de passeatas e manifestações estão disponíveis no Facebook Movimento Acadêmico UEMS – CG.
É necessário apontar também uma grande diferença entre os diversos movimentos sociais citados e o movimento grevista da UEMS. Os primeiros foram compostos por milhares, milhões de pessoas; nós, ainda, somos tímidas centenas. Convido os leitores a conhecerem e, quiçá, participarem do movimento. Dirijo-me, em especial, aos camaradas (colaboradores do extinto O Marginal) que sempre estiveram a favor dos movimentos sociais e das lutas dos trabalhadores para que venham somar conosco. Aos demais colegas de trabalho, que possuem outra maneira de analisar a questão - sempre há os que pensam diferentes -, deixo todo o meu carinho e respeito. Evoco a tolerância de Voltaire, o principal dentre os santos e mártires do calendário filosófico, a fim de acalmar a minha impaciência. Por favor, por gentileza, moçada, não maculem a história. Ouvi uma pessoa falar numa assembleia que a greve nunca trouxe nada de bom. Certamente não trouxe nada de bom para os capitalistas, mas os direitos trabalhistas foram conquistados com as lutas dos trabalhadores. Durante a Primeira Revolução Industrial, as jornadas de trabalho chegavam a 12, 14, 16 horas diárias; pensem nas greves do ABC paulista no final dos anos 70 e a sua contribuição ao processo de redemocratização do país. Os livros estão disponíveis, não vou me alongar em exemplos.
Acredito, sinceramente, que em termos de organização e mobilização os professores têm muito que aprender com os alunos. Não é um despropósito pedir para que cessem as suas piruetas retóricas, ou análises de conjuntura restritivas, na tentativa de defender o indefensável. Se a causa é justa, democrática e pacífica merece o nosso apoio. Abram seus olhos para o que está acontecendo no mundo e na Unidade de Campo Grande. Deixe o clamor das ruas entrarem pelos ouvidos, passarem pelo coração e chegarem à cabeça, a cabeça da paixão.
 
Professor Paulo Edyr Bueno de Camargo
Unidade Universitária de Campo Grande

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