sexta-feira, 26 de junho de 2009

CARTA PARA UM AMIGO QUE PARTIU

Goiânia, 19 de junho de 2009.

Gisley, amigo querido

Vira e mexe e eu tenho um desejo de te ligar, não posso. Por isto, te escrevo para te contar o que está acontecendo. Você partiu de repente. Não se sabe nem o horário! Irmão Wagner, nosso amigo comum, nos contou que deixou você na sua casa as 23:30 do dia 14 de junho, depois de participarem de um show. Contou-nos das despedidas, das brincadeiras. No dia 15 foi de silêncio, desaparecimento. No final da tarde o seu carro foi encontrado com jovens, um deles menor de idade. Encontraram outros que confessaram o crime. Há muita coisa que ficou sem respostas. Porém, não é isto que quero escrever, quero te contar coisas que vivemos nestes dias da sua partida.

No dia 16 de junho, por volta das 10h da manhã, a Luciene, nos comunica o seu sumiço. O desespero da Vanildes e Edina na porta da sala e, pior antes do anúncio meu coração gritava, Gisley. Não sei o porquê você veio com força total. Em seguida elas confirmaram o que o coração já sabia. O desespero é geral. A impotência no grau máximo, destas que desorganizam os pensamentos. Pensamos o pior. A dor e o desespero foi só aumentando, o consolo entre os/as amigos/as era muito forte. Não sabíamos o que fazer e muito menos o que dizer.

A notícia se espalhou e como pólvora e fogo, e de diversos lugares as pessoas começaram a ligar: Ângela Falchetto, Hilário Dick, Ceila, PJ de Marabá, Jorge Boran, Joaquim, Lúcia, Mirim, Wagner, Vanessa, Alex... pensa! ... Uma cumplicidade entre pessoas que tem laços afetivos tão profundos pela causa e nesta causa que nos une, em irmandade. Muitas vezes: silêncio, outras choros, outras palavras sem sentido. O nosso desejo era que alguém dissesse: mentira! Ele está aqui! Porém, nada de nossos desejos se realizaram. Ligou o Wagner, depois e Mirim e depois o Wanderley seu irmão, todos confirmaram: o corpo foi encontrado, com três tiros na cabeça. Agora era comoção geral. Não encontramos o chão, não tinha onde mais se apegar.

Gisley, todo tempo pensava estamos feridos/as de morte. Não há esperança. Não há sentido. Foram dois dias depois, na elaboração da morte, ou seja, velório, vela, sentinela que as pessoas que lhe quer bem se encontram para se consolar com sua partida. Aí veio a memória: os/as seguidores/as de Jesus, a Seu exemplo, não se paralisa diante da morte. Foi assim com Jesus diante do menino morto, filho da viúva de Naim. Agora era nós os/as seguidores/as do Ressuscitado, diante do filho da Dona Sebastiana e seu Sebastião, o Gisley. Teríamos que mover-nos na direção da vida!

Quando seu amigo, Fernando, bispo e companheiro estigmatino, falou encomendando seu corpo. “Ele assumiu até as últimas conseqüências a defesa da vida da juventude”. Eu pensei esse sangue tem que brotar desta mãe terra, geradora da vida, de pessoas com projetos, como você. Tem que gerar em nós maior coragem, mais inteligência, disposição para organizar grupos de jovens em todo este país. Grupos de toda natureza que atenda os interesses dos/as jovens para que organizados em grupos, despertados em suas potencialidades, possam exercer a amizade, experimentar o amor de irmãos e irmãs que vivem as mesmas condições. Desde este lugar, nós anunciamos Boa Nova, Evangelho: Vocês são amados/as! Queremos vocês vivos/as! Nós nos importamos com vocês!

Falta muita coisa para gente fazer! Sua morte veio para dizer que ainda fazemos muito pouco. Há tanta acomodação nossa – fico pensando nas pastorais de juventude, falta gente para acompanhar, mobilizar os/as jovens para viverem em grupos articulados, com uma proposta de formação e ação que dêem sentidos em suas vidas, falta acolhida, fico pensando nas congregações religiosas, muitas delas mortas, voltadas para si mesma, que não tem nada a encantar a juventude, porque estão voltadas para suas obras e não para os desafios e a vida da juventude, com projetos prontos, sem desafios que convoque os jovens. E as nossas Igrejas? E o nosso seguimento a Jesus? De modo geral, temos “barateado” a evangelização. Ficamos satisfeitos em cumprir os ritos, mesmo que sejam vazios. Falamos, falamos de Jesus e não apresentamos Sua pessoa para que os/as jovens O conheçam e reconheçam em nós e em nossas ações. Já conversamos tanto sobre isto, principalmente quando o desânimo nos abatia no caminho e no serviço, lembra?

Diante da sua morte fiquei com vergonha. Pensei você dialogando com os jovens que te agrediram e te eliminaram. Não houve diálogo. Tanta coisa que não fizemos para que estes jovens pudessem ter uma sociedade mais justa, com espaços para educação e lazer, para a vida em grupo, com uma Igreja acolhedora e anunciadora de Boa Nova. Sua morte é uma morte de todos e todas nós que estamos envolvidos/as dia e noite neste trabalho com a juventude. Perdão! Fizemos pouco. Não fomos inteligentes o suficiente. Não fomos Igreja, comunidade dos seguidores/as de Jesus! Distraímos-nos com alguma coisa, talvez conosco mesmo, com nossas vaidades. Precisamos rever, para animarmos em uma atuação mais eficiente, mais atraente e com conseqüências mais visíveis nas estruturas de morte que continuam imperando em nossa sociedade. Você e milhares e jovens pagaram com a vida. Não queremos mais a morte!

Gostava de brincar contigo, menino precoce e intenso. Tudo muito rápido! Padre há 4 anos, 2 anos assessor da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Pensa! Só com 31 anos já foi Diretor do Instituto de Pastoral da Juventude do Leste 2, fez a Pós Graduação em Juventude. Na congregação queria mudanças. Ansiava que o carisma de Bertoni movesse cada um da congregação a se apaixonar pela juventude e se movia para cativar outros. Chamava atenção de outras congregações com carismas semelhantes, percebia a necessidade de acompanhamento dos jovens no Nordeste, com mais centros de juventude. Preocupava-se com os jovens e menos com as estruturas. Por isto, em muitas ocasiões foi mal interpretado por pessoas e grupos. Porém nada disto o paralisou no caminho.

Admiro muito amigo o seu cuidado com as pessoas. Tinha um empenho de cultivar as amizades com visitas, mensagens, ligações, presentes, gestos... Quero exemplificar, naquele dia que estávamos em Belo Horizonte, encontros nacionais, tempo curto, somente uma noite de descanso entre uma atividade e outra. “Vamos visitar a Susane? Nasceu sua filha”. Lá fomos nós para Santa Luzia. E assim foram várias situações. Um cuidado com cada pessoa de sua família, construir uma casa legal para sua mãe. Recordo o dia que fomos para Caldas Novas, um de seus lugares preferidos de lazer. Almoçamos com sua mãe e irmãs, sobrinhas. Ao conhecer o seu povo conheci melhor você. Esses tempos foram ricos de partilha de vida e de cumplicidade.

Era bem legal escutar você, quando assumiu a assessoria nacional. “Chega de idéias de Carmem!” e aí dizia “Vamos construir um caminho novo, tá! E em seguida, perguntava: “o que você pensa desse projeto?”Buscava neste acompanhamento, esse respeito que você manifestava, de ser original, de construir algo que fosse novo. Foi muito prazeroso acompanhar você: no IPJ, quando o conheci, depois no setor juventude, com as Pastorais de Juventude você fez um processo de opções claras, de decidir junto com a juventude por caminhos tanto na Igreja como na sociedade, sempre em defesa da juventude. Uma vez você me disse que respeitava meu acompanhamento tanto a sua pessoa como ao seu projeto de vida. Sou muito grata por tudo que compartilhamos.

Essa separação, essa dor foi plantada no dia 18 de junho, quando devolvemos seu corpo para a Mãe terra. Não estava lá, o espírito, ele havia se espalhado pelo Brasil e pela America Latina. Foi tão rápido! Uma experiência de ressurreição! Percorremos várias vezes o caminho de Emaús. Ficamos perguntando o que aconteceu? Porém, não queremos parar na morte. Por isto fizemos memória, celebramos para abrir nossos corações e mentes. Queremos assumir as causas que moveram sua vida! Foi bonito ver a sintonia nas celebrações e na sua família para ampliar a luta a favor da vida.

Voltamos como os discípulos de Emaús para nossas comunidades. Não ficamos em Morrinhos. Voltamos para nossa realidade. Foi duro ouvir na noite, Gisley, os jornais, anunciaram que a comissão do Senado aprovou a redução da maioridade para 16 anos. Não é o fim. Tem ainda votações no Senado, na Câmara, voto do presidente. Com a notícia sua falta ficou gritante. Como vamos mobilizar? Porém não se preocupe. Já estamos conversando – Hildete, Vanildes, Alessandra, Lourival... gente que você conhece bem. Nós agora temos que sair uma ofensiva muito mais determinada.

Gisley, sua morte mobilizou muita gente. Precisava ver – o povo da PJ Latino Americana, o povo das PJs e da Igreja toda do Brasil, a Rede Brasileira de Centros e Institutos sobre Juventude. Sabe a Ângela Kempler que você escreveu pedindo apoio, pois é, ela escreveu, o Noberto, da Adveniat, ligou da Alemanha, a Elsie, ligou do Peru, a Ellen, também escreveu uma carta pra ti, o povo do Celam. Tem tanta mensagem na internet que foi registrado um congestionamento no sistema. A Hildete se moveu para Morrinhos! Bispos em nome da Presidência da CNBB. Muitas celebrações lindas! Janaina e a turma da Diocese de Goiás, O Pe Edison do Anchietanum, o Irmão Lucas e outras pessoas da diocese de Lins, os Maristas de Brasília, o João, o Eder, o Wagner, o Guilherme, o Wandinho de Mariana, a Susana e o Mauro, nós da CAJU você já viu estavam quase todos/as lá... Caravanas de Belo Horizonte, Uberaba, sua congregação em peso, faltou pouca gente.

Na verdade, foi um encontro nacional para fazer o lançamento da Campanha contra o extermínio dos/as jovens. Com presença de bispos em todas as celebrações, viu que legal! Mobilização geral, não tenha dúvida, muita gente aderiu ao projeto. Vai ser grande, vai fazer girar a terra! Os jovens terão vida! Os grupos serão organizados! As Pastorais da Juventude serão revigoradas! O grito A juventude quer viver! será respeitado porque o sangue derramado lançou vida e espalhou esperança em muita gente que te ama e você continuará vivo nesta luta.

Um beijo, sua amiga, Carmem Lucia Teixeira.
http://gisleyvive.blogspot.com/

Um comentário:

ana disse...

Nossa muito comovente!
o texto falando sobre o Pe.Gisley!
espero que a luta da juventude continue essa luta que lhe custou a vida!
abraço!

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