domingo, 19 de janeiro de 2014

Mira um Belo Horizonte para a Pastoral da Juventude

“Mira o céu azul
espaço aberto pra te acolher (...)
Mira o nosso chão
banhado em sangue pra reviver.
Mira a nossa América
 
banhada em morte pra renascer.”
(Zé Martins)

A Pastoral da Juventude é a ação organizada de grupos de jovens que se reúnem nas comunidades eclesiais, articulados em todo o Brasil por meio de instâncias de coordenação. É uma rede de pessoas que caminham em sintonia e em comunhão com uma Igreja libertadora. A cada três anos representantes de todos os lugares do Brasil se reúnem em uma Ampliada Nacional para celebrar, avaliar e planejar a caminhada dos próximos anos. Estamos nas vésperas da Ampliada Nacional que acontecerá em Belo Horizonte-MG, a qual também celebra 40 anos de história da Pastoral da Juventude.

Passado um período de muita agitação na Evangelização da Juventude com a Jornada Mundial da Juventude - ocorrida em julho no Rio de Janeiro - dentro outros elementos, é importante fazer uma avaliação profunda em nossa organização e missão para conseguir realizar um planejamento que atinja as bases. Fazer uma análise de conjuntura é olhar o chão que estamos pisando, os elementos que estão em nossa volta, identificar as forças políticas que estão ou não em disputa, e traçar um caminho a ser percorrido. Devemos sempre ter o cuidado de não deixar que elementos desanimadores, identificados em uma análise de conjuntura, nos façam perder as esperanças de um futuro melhor. Já dizia dom Pedro Casaldáliga: “apesar de todo cansaço, de toda decepção e amargura, não temos o direito de perder a esperança; a desesperança é heresia!”.


Não deve ser surpresa pra ninguém que a Igreja é uma instituição em disputa política, afinal, em todo espaço existem pessoas que disputam pensamentos e ideias diferentes. Isso acontece em qualquer agrupamento de pessoas e não é diferente nas instituições religiosas. Em nossa Igreja, nos últimos anos, João Paulo II e depois Bento XVI foram grandes defensores do conservadorismo e tradicionalismo romano, que também influenciou as instâncias de decisão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. Consequentemente, setores progressistas da Igreja - como as Pastorais da Juventude, Pastorais Sociais, Comissão Pastoral da Terra, Conselho Indigenista Missionário, Comunidades Eclesiais de Base, etc - perderiam espaço e investimento no meio eclesial. Para quem atua como liderança em algum grupo eclesial sabe muito bem que existe essa disputa de correntes de pensamento na Igreja.

Desde os/as militantes da Pastoral da Juventude até iniciantes nos grupos de base sentem na pele a falta de apoio da instituição. Coordenações Diocesanas da PJ são extintas por bispos em detrimento da criação de um Setor Juventude, que deveria ser espaço de comunhão de diferentes expressões de jovens proposto pelo documento nº 85 da CNBB. De repente, coloca-se tudo de bom que temos na Pastoral da Juventude como algo que não é mais nosso. Todo o nosso acúmulo de 40 anos de história, nossa metodologia, nossos estudos, são colocados à disposição para apropriação de outros, como se não fosse nosso. Ignoram a história de celebração do DNJ – Dia Nacional da Juventude - promovida pelas Pastorais da Juventude em todo o Brasil desde 1985 e hoje em propriedade do Setor Juventude; páginas na internet são criadas para perseguir o nosso jeito de ser, a nossa mística, e ridicularizar tudo o que acreditamos. Utilizar o termo Pastoral Juvenil no Brasil, termo comum nos países latino-americanos, como algo inovador, nada mais é do que estratégia para confundir e rivalizar as bases. Muitas vezes somos até proibidos de carregar nossos símbolos e bandeiras dentro dos espaços eclesiais.

Esses são só alguns elementos de dificuldades externas que conflitam e entravam a caminhada da PJ. Também existem limitações internas que não podem ser ignoradas. Por exemplo, a falta de assessores/as capacitados/as, a escassez de formação, de materiais de fácil utilização, a manipulação que acontece em muitos lugares, os enfrentamentos com a hierarquia da Igreja. Todas essas e outras limitações que temos não devem ser ignoradas, porém, não devemos nos considerar culpados de todos os nossos problemas, uma vez que também existem elementos externos na Igreja e na sociedade os quais dificultam o nosso trabalho. Se muitos dizem que a PJ vive um momento de crise, devemos avaliar que essa crise não está somente em nossa pastoral, mas em toda a Igreja e sociedade porque fazemos parte dela e é nela que estamos, vivemos e nos organizamos.

Eis um grande desafio: olhar para toda essa realidade de dor e conseguir enxergar um ‘belo horizonte’ para a Pastoral da Juventude. Aqui entra a mística que permeia todo o nosso trabalho pastoral e não nos faz desistir. É graças as amizades que fazemos nos grupos de jovens e instâncias de coordenação que ousamos sonhar juntos/as um mundo melhor. Ao acompanhamento de assessores/as que são realmente nossos/as amigos/as e companheiros/as que revitalizamos as nossas forças para continuar. Ao povo que sofre e nos mostra que não devemos sair da luta. Inspirados/as em Jesus libertador que ousamos dizer: “A PJ não vai acabar”.

Pessoalmente, também teimo em sonhar esse belo horizonte. Um belo horizonte onde possamos vencer a violência e o extermínio de jovens, o preconceito, racismo, machismo, discriminação, a homofobia, entre outros. Um belo horizonte onde não sejamos perseguidos e ridicularizados pelo nosso jeito de ser, rezar, lutar e se organizar. Um belo horizonte onde o Setor Juventude seja realmente um espaço de comunhão entre diferentes seguimentos de jovens e não um grupo organizador de eventos, ou ainda um substituto da PJ. Um horizonte onde os grupos de jovens tenham apoio do clero, dos/as religiosos/as, da comunidade local; e acesso direto aos nossos materiais de apoio. Sonhar não custa nada, né? Então, não custa sonhar um belo horizonte onde a instituição possa colaborar com as nossas necessidades financeiras, onde um jovens de uma comunidade pobre e distante ganhe um simples apoio para conseguir participar de um encontro de formação. E por que não mirar um belo horizonte onde os/as jovens de mais caminhada na PJ sejam engajados e militantes nos mais diversos movimentos sociais e partidos políticos, mudando assim a realidade local e melhorando a vida do povo.

Quando a gente mira horizontes tão belos como esse logo nos empolgamos a fazer as coisas para chegar lá. Também ouso pensar um pouco do que temos que planejar e nos organizar. Talvez a grande maioria dos/as jovens e assessores que estão hoje comprometidos com a PJ, não estarão mais no futuro, estarão em outros espaços eclesiais e sociais, mas isso não nos impede de dizer que sim, nós chegaremos lá.

Chegaremos um dia a ver as nossas instancias trabalhando de uma forma ainda mais democrática, mais horizontal e menos hierárquica. Por que não envolver mais as nossas bases nas decisões das instancias regional e nacional? Por que sempre temos que sacrificar a vida de um/a jovem por três anos na secretaria nacional da PJ, fazendo deixar de lado estudos, trabalho e família para se dedicar exclusivamente ao trabalho pastoral? Por que não dividir todas as demandas de trabalho dessa secretaria com mais pessoas, tornar um secretariado nacional, onde cada um/a tem o seu papel e ninguém tenha que deixar os estudos, trabalho e família para se dedicar exclusivamente em cumprir as demandas do trabalho pastoral.

Temos sim, a opção pedagógica pelos pequenos grupos, mas nossos documentos também falam dos eventos de massa, desde que, trabalhado de forma objetiva e processual. Por que não ampliar a participação dos/as jovens nas coordenações, nos seminário, cursos e encontros? Por que não sonhar as instancias de decisão mais amplas e horizontais, fazer uma Ampliada Nacional que seja realmente ‘mais ampliada’ do que é, pensar os Encontros Nacionais da PJ livres e abertos, sem disputas de vagas? Fazer essas mudanças não é ceder espaço para a moda dos movimentos eclesiais que priorizam os eventos de massa, mas sim valorizar a atuação dos grupos de base, pois quando limitamos a participação em vagas, se o processo não for bem trabalhado na base, pessoas podem sair feridas e magoadas. Muita gente boa de todo o Brasil deixa de participar de momentos importantes da PJ simplesmente porque tem que brigar com unhas e dentes por uma vaga. Estruturalmente e metodologicamente não é impossível, basta olharmos os exemplos dos Intereclesiais das Ceb’s e os Encontros Nacionais de Fé e Política ente outros.

Por que não sonhar projetos de formação de lideranças, formação política, comunicação popular, afetividade e sexualidade, arte e cultura, mística e liturgia para os nossos jovens pejoteiros/as acontecendo em todo o Brasil. A inserção mais efetiva dos/as pejoteiros/as nos movimentos sociais e partidos políticos. A sistematização das nossas bandeiras de lutas para subsidiar os/as pejoteiros/as que nos representam nos conselhos municipais, estaduais e nacional de juventude. O DNJ como evento de massa e também de volta com a identidade a organização das Pastorais da Juventude. Os Centros e Institutos de Juventude funcionando e apoiando as nossas atividades. A comunhão, respeito, trabalho em conjunto com todas as Pastorais da Juventude, Movimentos Eclesiais, Congregações Religiosas e Novas Comunidades. Enfim, só escrevi esse texto pra somar aos milhares de sonhos de um belo horizonte para a PJ que estão espalhados nos corações de pejoteiros/as pelo Brasil. Em todo trabalho pastoral não há uma conclusão final, porque o que fazemos é, e será, sempre uma ‘eterna construção’. Estaremos sempre com muitas ideias construindo um belo horizonte, um mundo melhor, a civilização do amor.

Levante essa voz companheiro
E abra o olho ligeiro
Não fuja da luta jamais!
Em cada caminho ou na rua
Assume essa causa que é tua
Semeie as sementes da paz!
Vamos lá! Vamos lá
A história ninguém deterá
É rio que corre pro mar
Ninguém vai nos calar, nos calar!”
(Zé Vicente)


Walkes Vargas


Um eterno pejoteiro

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