Outro dia estava com os olhos do avesso e uma cena brilhou diante de mim. Uma mulher estava sentada no ônibus e eu em pé. A visão que eu tinha era, portanto, de cima pra baixo. Eu não havia reparado nela até o momento em que um vendedor de cocadas entrou também. Ela perguntou o preço e comprou duas cocadas. Imediatamente guardou uma delas para alguém. Imaginei que não fosse para o marido, mas sim para o filho. Devia contar com aproximadamente 35 anos, mas aparentava mais. A pele estava manchada de sol. Nas unhas das mãos e dos pés trazia um esmaltezinho dourado que já estava desbotado. O das mãos estava carcomido até a metade das unhas por causa de algum sabão forte que tenha usado ao longo dos dias. Parecia mesmo que havia acabado de lavar roupa, porque os dedos ainda estavam meio enrugados. A blusa era de uma malha roxa e estava cheia de bolinhas pelas contínuas lavagens e pela pouca qualidade do tecido. Seus peitos eram murchos e da região abdominal pendia uma protuberância de gordura. Os cabelos estavam amarrados em um rabo-de-cavalo e na parte frontal da cabeça, dois chumaços estavam vigorosamente arrepiados, eletrizados, sem que ela demonstrasse qualquer preocupação. Usava um batonzinho rosa claro que não cobria a boca toda, dava pra notar que fora aplicado apressadamente. Prestei atenção nela enquanto comia a cocada, pois notava a satisfação em seu rosto. Parecia ser uma dessas pessoas cuja vida não é fácil, que precisa contar moedas para passar o mês. Então imaginei que teria hesitado antes de comprar a cocada, mas enfim pensara: “eu mereço afinal!”. Alguém que tenha muito dinheiro nem sonha em como é obter uma satisfação dessas, pois seus desejos não podem ser realizados com uma pequena carga de açúcar no sangue. Então, ela comia a cocada e eu observava a cena. Os farelos caíam e ela ficava inconformada, pois cada pedacinho devia ser fundamental. Observei que em seu colo estava pousava uma bolsinha média, branca, mas encardida de tão usada. Os farelos da cocada depositavam-se nela. Então a mulher rapidamente espantava-os de cima de sua bolsa. Não pude deixar de notar que esta trazia um logo metálico com as seguintes letras entrelaçadas: VH. E a estampa era um embaralhamento das letras V, C, I, T, R, R, O, H, G, U. Entendi o motivo pelo qual ela limpava tão cuidadosamente os farelos, pois mesmo não sendo original, há um valor afetivo implicado numa bolsa dessas. Ela continuava comendo a cocada e os farelos a cair. Segui pensando na satisfação do açúcar e lembrei que sempre ouvi meu pai dizendo que “açúcar é veneno!”. Então imaginava o pote de açúcar com aquela figura emblemática da caveirinha avisando de um grande perigo letal. Pensei nas palavras de meu pai e olhei de novo para a mulher. Temi que a qualquer momento ela pudesse cair dura no chão. Os minutos passavam e ela não caía. Então pensei que podia alterar a sentença do meu pai “açúcar é veneno” por “o açúcar, se consumido excessivamente, pode ser como um veneno para o corpo, ou seja, pode ser muito prejudicial em longo prazo”. Transformei uma metáfora em uma comparação. Benditas sejam as figuras de linguagem. Feito isso, comprei uma cocada e saltei do ônibus, pois era chegada a hora de minha descida.
Isloany Machado
Escrito em 20 de junho de 2012.http://www.costurandopalavras.com.br/2013/01/entrevista-concedida-ao-crpms.html
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