No dia 29 de agosto, a presidenta Dilma Rousseff
sancionou a lei que institui as Políticas de Ações Afirmativas nas universidades
federais e institutos técnicos federais do país. O termo ação afirmativa faz
referência a um conjunto de políticas públicas destinadas a proteger minorias ou
grupos sociais que tenham sido discriminados historicamente no passado.
Mas afinal, o que isso quer dizer? Na prática,
relacionado ao sistema educacional, quer dizer que 50% das vagas nas
universidades e institutos públicos federais, serão destinadas a estudantes
provindos integralmente de escolas públicas e com baixa renda familiar, dessas
vagas, no mínimo 25% serão destinadas para estudantes negros/as, indígenas e
pardos/as, porcentagem essa que pode variar em cada estado de acordo com os
dados do ultimo levantamento do IBGE.
O grande eixo das Políticas de Ações Afirmativas
nas universidades e institutos federais, são as modalidades do sistema de cotas,
onde uma parte do total de vagas é separada para serem concorridas
exclusivamente por estudantes de um determinado público-alvo, as Cotas Raciais
para os estudantes negros, as Cotas Sociais para estudantes de baixa renda e de
escolas públicas e as Cotas Étnicas destinadas a estudantes das comunidades
tradicionais.
Contudo, muitas pessoas se perguntam sobre qual o
objetivo de tal política. A princípio o que ser quer com as Políticas
Afirmativas, é ampliar as oportunidades de uma população que tem poucas ou
nenhuma oportunidade. Não é conceder privilégios a um determinado grupo, nem
reforçar o sentimento de discriminação racial. Simplesmente dar oportunidades a
quem não as tem.
Em nosso cotidiano, existem enormes desigualdades
vivenciadas entre negros/as, indígenas e brancos/as nos espaços da vida social.
Imagine só quando o assunto for concorrer por igual a uma vaga na universidade
ou no mercado de trabalho? Isso sem falar nos séculos que fizemos os/as
negros/as sofrerem com a escravidão em nosso país. Os mais de 350 anos de
escravidão geraram em nosso país os maiores índices de desigualdade social do
planeta, o que deixou marcas que ainda não foram superadas: fome, miséria,
desemprego e subemprego e as dificuldades no acesso aos sistemas de saúde,
educação, habitação. Diante disso, o sistema de cotas funciona como uma espécie
de reparação do governo brasileiro a tudo o que fizemos essa população sofrer
historicamente. Porém, não é só reparação, vai muito, além disso. As cotas
ampliam oportunidades de ingresso na universidade aos/as excluídos/as
facilitando também o ingresso posterior ao mercado de trabalho.
As práticas tradicionais de ingresso à
universidade demostram uma gritante desigualdade e exclusão dos/as pobres,
negros/as, índios/as e pardos/as. É latente a disparidade da formação oferecida
a estudantes de escolas públicas para com os estudantes de escolas particulares.
Com a forma tradicional de concorrer às vagas da universidade, o percentual de
estudantes negros/as e indígenas que conseguem de fato ingressar em uma
universidade é mínimo. A permanência desses estudantes durante todo o curso
universitário é muito mais complicado devido a recursos econômicos e materiais
que são exigidos ao longo de sua formação.
Muitos/as criticam o sistema de cotas dizendo que
“cada um tem que entrar na universidade por mérito próprio e não com ajuda de
cotas”, porém não são oferecidos a todos/as as mesmas oportunidades. O
mérito pessoal de cada um/a estará sempre atrelado com as oportunidades que são
ofertadas. Se deve exigir igualdade na disputa de vagas, também devemos fornecer
oportunidades iguais para todos/as.
Mesmo com os avanços dos últimos anos, nosso país
possui uma das maiores desigualdades de renda do mundo. Umas das maneiras de se
reduzir esta desigualdade seria dar ampla oportunidade de acesso à educação
superior a quem tem baixa renda. Mas na prática, este acesso dos/as pobres,
negros/as, índios e pardos/as às universidades é dificultado nos processos de
seleção tradicionais, pois a educação básica pública – única disponível aos
pobres – ainda está longe de ter a qualidade da rede particular. Assim, quem tem
acesso à educação privada tem muito mais chances de acesso aos cursos de média e
alta concorrência nas universidades públicas. Prova disto é que 85% dos
estudantes de ensino médio estão em escolas públicas, porém a grande maioria dos
estudantes das universidades públicas vem das escolas particulares.
Mas nossa desigualdade vai ainda mais longe.
Enquanto negros/as e pardos/as são a grande maioria entre os pobres, representam
uma pequena parcela dos ricos. E apesar de, segundo o IBGE, negros/as e
pardos/as formarem pouco mais da metade de nossa população, correspondem a
apenas 15% das pessoas com ensino superior.
Esta realidade tem pouca chance de mudar por si
só, tendo em vista que a maior parte dos estudantes de escolas públicas não
conseguem chegar às universidades públicas, o que perpetua a desigualdade social
e racial. Para esses estudantes restaria recorrer a programas do governo, como o
Projovem, que ajudaria a custear os gastos de uma universidade privada, ou mesmo
deixar de cursar o ensino superior. Daí a necessidade das Políticas de Ações
Afirmativas, que venham reduzir estas disparidades.
Vários dizem que deveríamos apenas melhorar o
ensino público. Mas até quando vamos esperar? O governo federal, através de seus
indicadores, estima que o Brasil alcance o desempenho em educação da média dos
países desenvolvidos até 2022. Outros são mais pessimistas. Por quantas décadas
mais devemos tolerar esta absurda desigualdade? Há séculos nosso país ignora a
discriminação racial e isto não fez com que ela desaparecesse. Enquanto
continuar existindo esta correspondência entre cor da pele e classe social,
resultante do desigual acesso à educação e outros direitos, o racismo existirá.
As cotas não vão resolver o problema da exclusão no Brasil, mas pode ajudar e
muito se aplicada em conjunto com diversas outras políticas públicas. Enquanto
as oportunidades são ampliadas para as classes excluídas, resta a nós também
lutar pela melhoria da educação e para que no futuro não precisemos de
cotas.
Sonhamos com um futuro em que realmente todos/as
sejam iguais, onde a educação pública seja de qualidade, onde não serão
necessárias cotas raciais, sociais e étnicas, onde todas/as tenham as mesmas
oportunidades. Enquanto esse sonho não se realiza é necessário a luta por
mudanças. Políticas de Ações Afirmativas deverão existir enquanto houver
exclusão. Cotas Sim! Enquanto for necessário.
Walkes Vargas
Militante da Pastoral da Juventude
Militante da Pastoral da Juventude
Wagner Rocamora
Militante da Juventude da Articulação de Esquerda
Militante da Juventude da Articulação de Esquerda
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