O modelo macroestrutural de enfrentamento de Governos Populares na América Latina parece receita de bolo de fubá. Pequenas variações, mas o conteúdo é o mesmo. O caso argentino comprova a tese: ataques ao Papa Francisco, às Mães da Praça de Maio e aos direitos humanos fizeram parte do roteiro de Macri, presidente eleito pela direita. A radicalização e a virulência são comuns, afinal, de assassina chamaram a Presidenta Cristina Kirchner à época do ocorrido com o Promotor Alberto Nisman.
Não ficou só por aí. O “bloco histórico” também é idêntico. Conservadorismo profundo no judiciário, cerco dos grandes meios de imprensa, grande acordo político entre setores do capital. O futuro proposto é preocupante, afinal, Macri defende o realinhamento diplomático e econômico com os Estados Unidos (corajosa e saudavelmente rompido pelos Kirchner), com liberação cambial e desvalorização da moeda nacional, fato que poderá abrir um novo e preocupante ciclo de endividamento, com impactos sociais importantes.
Do ponto de vista político, Macri tem o perfil do candidato midiático, da política espetáculo. Está mais afeito a uma espécie de Collor que veio de São Paulo, não de Alagoas, visto que é da capital argentina. Ex-Presidente do Boca Juniors, apostou e mirou na desesperança (afinal, o modus operandi é o mesmo, tudo está ruim, o Estado é ineficiente, os Governos Populares não tem condições de dar rumo à Nação, etc, etc) para surgir como o salvador da pátria. Uma cena de desvalorização da política perigosa à esquerda, visto que as condições para a mesma estão colocadas no Brasil, especialmente se analisarmos a recente pesquisa Ibope que apontou os principais presidenciáveis verde e amarelos com rejeição na casa dos 50%, um pouco mais, um pouco menos, de acordo com o cenário.
O fato é que pela primeira vez a direita clássica toma o poder pelo voto popular na Argentina. Em todas as demais vezes, a obra foi originária de golpes militares. O fato é que a mesma polarização vista no Brasil recentemente se reproduziu lá, já que a diferença para Scioli (candidato governista, da esquerda) foi pouco mais de 2%, apenas 700 mil votos (quando as pesquisas apontavam 10, 15% pontos de diferença). O fato é que a UCR (União Cívica Radical), o PMDB deles, pela característica centrista, governista e oscilatória, pendeu para Macri. O fato é que a vitória da direita partiu dos grandes centros urbanos. O fato é que todos os presidentes anteriores a Macri que não tinham origem peronista, não terminaram seus mandatos por conta de crises geradas pelo liberalismo naquele país.
Com estes breves recortes, tem-se o quadro do “lado de lá”, do bloco conservador, suas práticas políticas e eleitorais que deram contornos à vitória deste domingo. E do “lado de cá”?
Bem, é certo que o Kirchnerismo fez reformas estruturais importantes (algumas que não tivemos coragem, como o debate sobre a regulação dos meios de comunicação), distribuiu renda, promoveu políticas sociais, recuperou a economia nacional, especialmente após o desastre dos anos 2000/2002. Foram governos de coragem e de enfrentamentos, que estiveram sob fogo cruzado constante e, que mesmo assim, garantiram a maioria do Congresso Argentino para a esquerda para esse próximo período (sim, Macri terá minoria nas Casas Legislativas). Portanto, tem lições a nos ensinar.
E a primeira, mais nítida, é de como deve se comportar um líder. Scioli vacilou. E muito. Quis se diferenciar dos Kirchner, abriu mão da liderança e do apoio mais aberto de Cristina. Optou por moderações, por estabelecer pontes. Deu no que deu. Perdeu por pouco. Tão pouco que permite afirmar que se tivesse feito gestos mais efetivos para sua base social poderia ter virado o jogo.
E então, não chegou a hora de fazermos o mesmo no Brasil? Assumir que há uma disputa irreversivelmente radicalizada, polarizada e que nossos adversários usam e usarão todas as munições possíveis? Assumir protagonismo e coerência com nosso programa eleito em 2014? Marchar de peito aberto e perceber que é hora de virar o jogo? Nos parece que sim e que até é óbvio. A nota triste é que até o óbvio, de vez em quando, precisa ser dito…
Rodrigo Oliveira
Presidente do PT de Porto Alegre
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