segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Há de se cuidar da amizade e do amor

A amizade e o amor constituem as relações maiores e mais realizadores que o ser humano, homem e mulher, pode  experimentar e desfrutar. Mesmo o místico mais ardente só consegue uma fusão com a divindade através do caminho do amor. No dizer de São João da Cruz, trata-se da experiência da “a amada(a alma) no Amado transformada”.

Há vasta literatura sobre estas duas experiências de base. Aqui restringimo-nos ao mínimo. A amizade é aquela relação que nasce de uma ignota afinidade, de uma simpatia de todo inexplicável, de uma proximidade afetuosa para com a outra pessoa. Entre os amigos e amigas se cria uma como que comunidade de destino. A amizade vive do desinteresse, da confiança e da lealdade. A amizade possui raízes tão profundas que, mesmo passados muitos anos, ao reencontrarem-se os amigos e amigas, os tempos se anulam e se reatam os laços e até  se recordam da última conversa havida há muito tempo.


Cuidar da amizade é preocupar-se com a vida, as penas e as alegrias do amigo e da amiga. É oferecer-lhe um ombro quando a vulnerabilidade o visita e o desconsolo lhe oculta as estrelas-guias. É no sofrimento e no fracasso existencial, profissional ou amoroso que se comprovam os verdadeiros amigos e amigas. Eles são como uma torre fortíssima que defende  o frágil castelo de nossas vidas peregrinas.
A relação mais profunda é a experiência do amor. Ela  traz as mais felizes realizações ou as mais dolorosas frustrações. Nada é mais misterioso do que o amor. Ele vive do encontro entre duas pessoas que um dia cruzarem seus caminhos, se descobriram no olhar e na presença e viram nascer um sentimento de enamoramento, de atração, de vontade de estar junto até resolverem fundir as vidas, unir os destinos, compartir as fragilidades e as benquerenças da vida. Nada é comparável à felicidade de amar e de ser amado.  E nada  há de mais desalodor, nas palavras do poeta Ferreira Gullar, do que não poder dar amor a quem se ama.
Todos esses  valores, por serem os mais preciosos, são também os mais frágeis  porque  mais expostos às contradições da humana existência.
Cada qual é portador de luz e de sombras, de histórias familiares e pessoais diferentes, cujas raízes alcançam arquétipos ancestrais, marcados por experiêncis bem sucedidas ou trágicas que deixaram marcas na memória genética de cada um.
O amor é uma arte combinatória de todos estes fatores, feita com sutileza que demanda capacidade de compreensão, de renúncia, de paciência e de perdão e, ao mesmo tempo, comporta o desfrute  comum do encontro amoroso, da intimidade sexual, da entrega confiante de um ao outro. A experiência do amor serviu de base para entendermos a natureza de Deus: Ele é amor essencial e incondicional.
Mas o amor sozinho não  basta. Por isso São Paulo em seu famoso hino ao amor, elenca os acólitos do amor sem os quais ele não consegue subsistir e irradiar. O amor tem que ser paciente, benigno, não ser ciumento, nem gabar-se, nem ensoberbecer-se, não procurar seus interesses, não se ressentir do mal…o amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera e tudo suporta…o amor nunca se acaba(1Cor 13, 4-7). Cuidar destes acompanhates do amor é fornecer o húmus necessário para que o amor seja sempre vivo e não morra pela indiferença. O que se opõe ao amor não é o ódio mas a indiferença.
Quanto mais alguém é capaz de uma entrega total, maior e mais forte é o amor. Tal entrega supõe extrema coragem, uma experiência de morte pois não retém nada para si e mergulha totalmente no outro. O homem possui especial dificuldade para esta atitude extrema, talvez pela herança de machismo, patriarcalismo e racionalismo de séculos que carrega dentro de si e que lhe  limita a capacidade desta  confiança extrema.
A mulher é mais radical: vai até o extremo da entrega no amor, sem resto e sem retenção. Por isso seu amor é mais pleno e realizador e, quando se frustra, a vida revela contornos de tragédia e de um vazio abissal.
O segredo maior para cuidar do amor reside no singelo cuidado da ternura.  A ternura vive de gentileza, de pequenos gestos que revelam o carinho, de sacramentos tangíveis, como recolher uma concha na praia e levá-la à pessoa amada e dizer-lhe que, naquele momento, pensou carinhosamente nela.
Tais “banalidades” tem um peso maior que a mais preciosa jóia. Assim como uma estrela não brilha sem uma atmosfera ao seu redor, da mesma forma, o amor não vive  sem um aura de enternecimento, de afeto e de cuidado.
Amor e cuidado formam um casal inseparável. Se houver um divórcio entre eles, ou um ou outro morre de solidão. O amor e o  cuidado constituem uma arte. Tudo o que cuidamos também amamos. E tudo o que amamos também cuidamos.
Tudo o que vive tem que ser alimentado e sustentado. O mesmo  vale para o amor e para o cuidado. O amor e  o cuidado se alimentam da afetuosa preocupação de um para com o outro. A dor e a alegria de um é a alegria e a dor do outro.
Para fortalecer a fragilidade natural do amor precisamos de Alguém maior, suave e amoroso, a quem sempre podemos invocar. Daí a importância dos que se amam, de reservarem algum tempo de abertura e de comunhão com esse Maior, cuja natureza é de amor, aquele amor, que segundo Dante Alignieri da Divina Comédia “move o céu e as outras estrelas”  e nós acrescentamos: que comove os nossos corações.

Leonardo Boff
é autor de  O Cuidado necessário, Vozes 2012.

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