segunda-feira, 19 de agosto de 2013

ATENÇÃO BÁSICA: A RESPOSTA PARA UMA SAÚDE PÚBLICA DE QUALIDADE

Proposta comum entre os candidatos a cargos eletivos em período de campanha na capital, vemos a “criação de mais hospitais”, ou ainda “mais leitos” ou então “mais equipamentos hospitalares”... Mas será mesmo que a “hospitalização” da população campo-grandense seria realmente a saída para os problemas na saúde pública que enfrentamos não apenas aqui, mas nacionalmente?
Criado pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pelas Leis n.º 8080/90 e nº 8.142/90, Leis Orgânicas da Saúde, o Sistema Único de Saúde tem a finalidade de garantir o acesso amplo e irrestrito à saúde pública de qualidade a todo e qualquer cidadão brasileiro.
Uma das características mais interessantes do sistema de saúde brasileiro é a descentralização, ou seja, a cada esfera de poder público: federal, estadual e municipal, cabe uma função específica.
Ao município cabe a gestão dos recursos destinados a este fim e a promoção de políticas públicas que garantam o funcionamento do sistema, com foco no público final, ou seja, na população.
Acontece, porém, que atualmente percebemos uma enorme demanda hospitalar de doenças que seriam facilmente prevenidas quando identificados fatores de risco precocemente ou ainda tratadas e curadas se descobertas em estágio inicial. Podemos destacar neste grupo: a hipertensão arterial e inúmeras doenças cardíacas, diabetes, hiperlipidemia (colesterol alto), obesidade e outros distúrbios alimentares, alguns tipos de câncer (como de mama, colo de útero, próstata e pele), transtornos psiquiátricos como depressão, ansiedade e síndrome do pânico, doenças na coluna (hérnias de disco, osteofitose ou bicos de papagaio), osteoporose, artrose. O diagnóstico e tratamento primário destas e muitas outras doenças ou disfunções deveria estar a cargo da Atenção Básica – Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e Núcleo de Assistência à Saúde da Família (NASFs). E a quem culpamos por este sistema não ser totalmente implementado na atualidade nos municípios brasileiros?
Vivemos hoje em um sistema de estado HERDADO, ou seja, antigas e falhas políticas em diversas áreas são “melhoradas” e repetidas gestão após gestão, sem que ocorra efetivamente uma cisão do antigo para o novo, do antiquado para o moderno. Este tipo de gestão é facilmente explicado pela própria dificuldade do ser humano em lidar com o novo, mas está na hora de experimentarmos uma nova maneira de se encarar a saúde pública.
Em média no mundo uma pessoa vai ao médico 3,7 vezes por ano. No Brasil, devido principalmente ao modelo atual de gestão em saúde, essa média se aproxima a 9 consultas por ano. É quase 1 bilhão de consultas médicas anuais (dados de 2010), mais de 500 milhões de exames e toneladas de medicamentos (que chegam a custar aos cofres públicos cerca de dez vezes mais que o próprio valor da consulta). Em posse desses números, pergunto: será mesmo que precisamos de mais verbas para a saúde? E a resposta é NÃO! Precisamos racionalizar o dinheiro gasto e redistribuir esse aporte focando primariamente na Atenção Básica.
Como nossas avós diziam: prevenir é melhor que remediar. E a sabedoria popular, neste caso, é indefectível. O que é mais barato e eficaz para o gestor público: reeducar os hábitos alimentares de uma pessoa que sofre de obesidade com um Nutricionista e incluí-la em um programa de atividade física orientada por Educador Físico ou assumir os custos e os riscos de uma cirurgia bariátrica (redução de estômago) com todas as suas conseqüências? Ou ainda, imaginemos que este mesmo paciente, quando criança, fosse incluído em programas específicos para pessoas que apresentam fatores de risco, em sua própria comunidade, através do Programa de Saúde da Família. Ela estaria quando adulta dentre os milhares de brasileiros que são vítimas de distúrbios alimentares?
Outro bom exemplo é o paciente com dores na coluna. Segundo dados da própria previdência social, os problemas relacionados à coluna são as maiores causas de afastamento do trabalho. Se olharmos esse dado sob a ótica do custo aos cofres públicos, já se torna assustador. Mas se mudarmos esse olhar e focarmos na qualidade de vida (ou falta dela) dessas pessoas que deixam de trabalhar devido às fortes dores, o fato é alarmante. E o que falar das inúmeras outras conseqüências da dor crônica, como depressão, problemas nos relacionamentos interpessoais, outras doenças causadas pelo uso excessivo de analgésicos e antiinflamatórios (como a gastrite), e incapacidades que se tornam permanentes?
Mais uma vez, nos casos dessas pessoas, pergunto: não seria mais barato ao poder público que elas não chegassem a esse ponto, se desde a juventude tivessem a prática de atividade física regular de forma sistemática incluída em sua vida já na Atenção Básica, uma vez que a equipe de saúde da família da sua região tivesse identificado fatores de risco que a levariam à doença e incapacidade na idade adulta?
Poderia me prolongar por muito tempo citando diversas doenças em que, quando apenas remediamos, estamos não só gastando dinheiro público de forma leviana e inconseqüente, mas também privando a população ao direito básico de saúde e qualidade de vida. Porém, prefiro sugerir ações práticas que viabilizem de forma rápida e pouco onerosa ao gestor público, a mudança nos padrões atuais de atenção à saúde.
É urgente que tenhamos nas unidades básicas de saúde e nos Núcleos de Saúde da Família equipes multi/interdisciplinares compostas no mínimo por enfermeiros, psicólogos, médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e educadores físicos. Muitos destes profissionais inclusive já são hoje funcionários públicos federais, estaduais ou municipais realizando funções burocráticas.
Também é imprescindível que estes profissionais atuem no primeiro contato com o paciente, ou seja, que nos casos de suspeita de transtornos psicológicos o psicólogo seja a primeira referência de atendimento e caso necessário, o paciente seja encaminhado ao atendimento médico especializado. Da mesma forma pacientes portadores de obesidade, hiperlipidemia (colesterol alto), hiperglicemia (aumento nas taxas de açúcar no sangue) submetidos à consulta com Nutricionista já na sua primeira visita à Unidade de Saúde. Pacientes com dores na coluna e demais articulações já saindo da unidade básica com um diagnóstico funcional elaborado após consulta com fisioterapeuta; crianças com gripes simples ou resfriados direto aos médicos homeopatas. Casos de alergia tratados também por acupunturistas e assim por diante.

Proponho, enfim, que os atuais e também futuros gestores públicos desviem o foco da hospitalização da população, ação esta comprovadamente cara e de baixa eficiência epidemiológica, para a atenção primária. Migremos a para visão de um ESTADO NECESSÁRIO! Assim, certamente ainda existirão casos em que os cuidados hospitalares serão prescritos, assim como tratamentos medicamentosos e cirúrgicos. Mas estes serão exceção à regra, cujo foco será promoção da saúde, prevenção de doenças e disfunções e, acima de tudo, qualidade de vida população.

João Leite Júnior
Fisioterapeuta, especialista em Gerontologia, estudioso da saúde pública há mais de 12 anos.

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