domingo, 10 de janeiro de 2010

Um crime que clama por justiça

Quem leu a reportagem do Jornal "O Popular" do dia 13 de dezembro/09 sobre os Fundos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (FMDCA) e tem um mínimo de sensibilidade humana ou de senso ético, não pode deixar de ficar profundamente indignado. Trata-se de um crime, praticado pelos poderes públicos municipais, que clama por justiça.

"Mais de R$ 5,4 milhões estão parados em fundos criados exclusivamente para assegurar os direitos de crianças e adolescentes. O dinheiro, que deveria ser utilizado em programas voltados para a defesa da infância, fica parado nas contas bancárias sem qualquer previsão de gasto ou, então, retorna para as prefeituras custearem outras despesas da administração, ao arrepio da lei. Quando são gastos, em grande parte dos casos, esses recursos acabam destinados de forma indevida, sem representar um avanço dos programas de amparo à infância e à juventude em Goiás" (p. 4 ).

Por causa do descaso e da irresponsabilidade dos poderes públicos municipais, a violência contra os adolescentes e jovens aumenta a cada dia que passa. Assistimos passivamente a um verdadeiro extermínio da nossa juventude. Cito só dois exemplos. Nos bairros São Domingos e Boa Vista, da Região Noroeste de Goiânia, de janeiro até dezembro de 2009, foram assassinados 25 adolescentes e jovens, entre os quais, uma criança que foi vítima de bala perdida enquanto estava saindo de sua Igreja com a família. Algumas pesquisas afirmam que, na grande Goiânia, são assassinados em média de 15 a 20 adolescentes e jovens por semana. É uma realidade que grita diante de Deus. A Constituição brasileira nos lembra que os direitos das crianças e dos adolescentes devem ser assegurados "com absoluta prioridade" e que as crianças e os adolescentes devem ser colocados a salvo "de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão" (Art. 227).

A desculpa que as autoridades costumam dar é que não existem (ou existem poucas) Organizações Não-Governamentais (ONG) ou outras Entidades que sejam idóneas e tenham todos os requisitos legais necessários para receberem verbas públicas. É verdade que Organizações Não-Governamentais e outras Entidades da sociedade civíl podem colaborar com o poder público e fazer um trabalho complementar, mas a obrigação principal e do próprio poder público. É ele que, em caráter absolutamente prioritário, deve implementar políticas públicas em defesa dos direitos das crianças, adolescentes e jovens.

No município de Goiânia - além dos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI), muito precários e insuficientes, e das Escolas de Ensino Fundamental, na maioria das vezes, de péssima qualidade - só existem alguns Centros de Referência e Assistência Social (CRAS), muito mal organizados e que não atendem, nem minimamente, as urgentes necessidades das nossas crianças, adolescentes e jovens. Não temos programas educativos que respondam de verdade aos desafios da realidade das crianças, adolescentes e jovens. O que as crianças, adolescentes e jovens dos nossos bairros vão fazer depois das aulas? Quem se preocupa em criar possibilidades de trabalho para os jovens?

A psicóloga Elisabeth Monteiro afirma: "o jovem que se sente valorizado e respeitado na família e que é útil para a sociedade (estimulado a conhecer desde cedo o valor do trabalho ou a participar de ações voluntárias, por exemplo) tem autoestima elevada e dificilmente segue por um caminho que faça mal a outra pessoa ou a si mesmo" (Folha de São Paulo, Equilíbrio, Entrevista: Em defesa dos adolescentes, 17/12/09, p.3).

Não havendo - a não ser em casos muito especiais - programas educativos que levem as nossas crianças, adolescentes e jovens a ter autoestima e a discobrir o verdadeiro sentido da vida, só resta a tentação do dinheiro fácil, entrando no mundo da violência e das drogas.

Costuma-se apontar as famílias desestruturadas como causa do envolvimento dos adolescentes e jovens com as drogas. As famílias tem, é verdade, sua parte de responsabilidade, mas a principal responsável e a nossa sociedade injusta, que coloca no centro de tudo o dinheiro e o lucro, e não a pessoa humana.

No final de novembro - com o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) - as Pastorais da Juventude do Brasil (Pastoral da Juventude - PJ, Pastoral da Juventude Estudantil - PJE, Pastoral da Juventude Rural - PJR e Pastoral da Juventude do Meio Popular - PJMP) lançaram oficialmente a Campanha Nacional contra a Violência e o Extermínio de Jovens. A Campanha vem sendo organizada desde maio/09, conta com o apoio de inúmeras Organizações de todo o país e tem como marca várias mãos abertas indicando um "basta" a toda forma de violência. Estão previstas pela Campanha várias iniciativas, como a realização de seminários estaduais e marchas locais em 2010 e a organização de uma grande marcha nacional em 2011.

A Coordenação Nacional da Pastoral da Juventude (CNPJ) e a Comissão Nacional de Assessores da Pastoral da Juventude (CNAP) nos lembram que a Campanha "só ganhará força se abraçada por todos e todas em suas Comunidades locais, em um trabalho em rede que pretende debater e sensibilizar a sociedade e o poder público, sobre a morte que os/as jovens têm sofrido todos os dias, nas diferentes realidades do Brasil. Não podemos nos calar diante deste quadro de morte, ao contrário nossos grupos de jovens, as pessoas que lutam e sonham pelo Reino de Deus, são convocados/as a denunciar toda essa exclusão" (www.juventudeemmarcha.org).

"Glória a Deus no mais alto dos céus, e PAZ na terra aos homens e mulheres por Ele amados" (Lc 2,14).

Fr. Marcos Sassatelli

Frade Dominicano, Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP), Prof. de Filosofia da UFG (aposentado), Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos (Justiça e Paz - PUC-GO), Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia, Administrador paroquial da Paróquia N. Senhora da Terra. E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

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